Por Priscila Della Bella e Bruna Tonzano
Mais do que amor, várzea é tradição. Mais do que tradição, futebol de várzea é projeto de vida de muita gente. Ou pelo menos foi um dia. Para essas pessoas, várzea hoje é sinônimo de saudade. As grades que cercam o chão de terra, cheia de torcedores ao seu redor, gritos de olés e gols, nervosismo e diversão. Todo esse cenário construía os campos varzeanos no passado e está longe de voltar a ser realidade no futuro. Muitos homens que tiveram o futebol marcado pela várzea ainda tentam resgatar um pouco da felicidade jogando com prazer e seriedade. O que eles menos querem é o fim da várzea. Por isso, levam os filhos, incentivam, torcem e vibram para que o futebol dos campos de lama nunca perca sua essência.
Por esses motivos que o paulistano supervisor de logística, Cláudio Soares, 43 anos, abandona nos finais de semana o terno, a gravata, o sapato social e coloca uma chuteira barrenta para bater uma bolinha. Ele é um dos saudosistas da década de 70, quando as pessoas organizavam torcidas e iam para os campos assistir aos jogos. “Hoje os campos estão vazios. Com o crescimento populacional, diminuiu o número de campos de várzea das cidades, consequentemente menos adeptos ao futebol varzeano”, lamenta Cláudio. Nessa época, era comum os campos de terra revelarem futuros talentos profissionais, como foi o caso de Pedro Rodrigues (Corinthians), Lima (São Paulo) e Pituca (Santos). “Iniciei na várzea com apenas nove anos de idade. Na década de 70 os jovens utilizavam a várzea para ser jogador de futebol profissional, tinha muitos olheiros nos campos”, relembra Cláudio com a expressão facial de saudade daquele tempo.
Já nos dias de hoje, a várzea serve apenas como treino para os garotos que sonham em se profissionalizar um dia. “Foram grandes revelações na várzea para o futebol brasileiro. Hoje a possibilidade é remota. O campo de várzea serve apenas para iniciação de alguns jovens. Depois o pai do garoto o leva para uma escolinha ou clube”, explica Cláudio que incentivou o filho a procurar outros meios para se profissionalizar no esporte.
Aos seis anos, o estudante Diego Glauco Soares já “batia uma bola” com o pai. Aos 14 anos, resolveu levar a brincadeira a sério. “Comecei em 2002 por incentivo do meu pai, para adquirir experiência jogando com adultos. Sou federado e só jogo na várzea quando não há coincidências de jogos dos campeonatos que disputo”, conta Diego, hoje com 18 anos.
Qual garoto apaixonado por futebol não sonha em ser o Ronaldinho Gaúcho ou o Kaká? Sonhar não arranca pedaço, eles tentam chegar lá fazendo testes para clubes e, muitas vezes, não conseguem passar nem na primeira peneira. Com Diego não é diferente. “Realmente é um sonho ser jogador profissional de futebol. Agora quanto ao sucesso, pretendo subir até o primeiro degrau. Uma boa carreira, será a conseqüência de meu trabalho”, revela o garoto sonhador.
Para Cláudio, a várzea não acabou. “Ela apenas está vazia, falta criatividade para organizar campeonatos e torneios. O brasileiro tem um amor contagiante pelo futebol. Por isso, posso afirmar com certeza que jamais deixaremos o futebol varzeano acabar. O importante é bater uma bolinha e jogar conversa fora”. Já Diego pensa de outra forma. “Na várzea estou adquirindo recursos, mas meu objetivo principal é jogar futebol profissional”.
A experiência pode ser adquirida nos campos, mas a vontade de aprender e o amor ao esporte “vêm de berço”. “Meu pai sempre foi um incentivador, foi ele quem me ensinou os primeiros chutes a gol. O futebol está em nosso sangue", relata Diego. Tendo seu pai como espelho, o garoto segue os ensinamentos e arrisca dividir a bola com o pai de vez quando. “É muito gostoso jogar com meu pai. Ele não gosta muito de perder. No entanto, ele me ensinou que a derrota faz parte do esporte e de nossa vida, mas são as derrotas que faz com que conquistemos as grandes vitórias. As jogadas de meu pai são inteligentes. Mostram que ele ainda é um grande atleta, mesmo com o dobro da minha idade”, conclui Diego.
[continua...]
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